Quando finalmente ele desceu do parapeito resolveu tomar um porre, já fazia um tempo que ele não acreditava muito em nada divino, mas sabia também que aquele anjo não tinha lá muito a ver com divindade, mesmo assim preferia tirar a prova. Claro, depois do porre.
A noite tava fria, ele pegou uma jaqueta e desceu com as chaves do Opala 72, ainda não era o carro que ele queria, mas gostava da velocidade que pegava. Quase todos os bares da cidade estavam fechados, mas ainda restava um pub que ele conhecia, um lugar aparentemente não muito bem freqüentado, mas tocava sempre um bom rock e nunca fechava.
Ele entrou no pub já cumprimentando uns cinco conhecidos, chamaram ele pra tomar um chopp, como nos velhos tempos, mas já haviam se passado cinco anos, ele já havia trocado alguns hábitos e esses caras já esqueceram como se bebe. Ele foi até o balcão, chamou a atendente pelo nome e pediu um dry Martine, acendeu o segundo cigarro da noite e ficou ali mesmo, observando uma garota que jogava sinuca com um cara, provavelmente não era seu namorado, mas com certeza iriam trepar depois de sair dali, ou ali mesmo. Ele conhecia os olhos dela, mas em outro rosto e dessa vez não diziam nada.
Ele gostava da vida urbana, de seus elementos e seus sons, das luzes sob os pés, do som dos carros na avenida, sirenes, buzinas e dessa vida noturna. Agora ele já estava outra vez no carro, ouvindo Frank Sinatra, de Cake. Depois do dry Martine ele virou umas doses de uma cachaça que estava em uma garrafa que ele achou bonita, ele tomou a garrafa quase toda, até não estar tão sóbrio. Ele precisava mesmo de coragem pra entrar onde pretendia ir, depois de tanto tempo sem pôr os pés lá.
Ele estacionou o carro de frente para a catedral, desceu do carro, subiu as escadas, atravessou o pátio e subiu no altar, ele olhou pra cima e discursou: _Há quanto tempo, senhor? Eu gosto que o senhor me receba sempre de braços abertos, acho muito educado. De qualquer forma eu te peço desculpa pela cara de pau que tive ao chegar assim em tua casa, sem pedir licença, mas foda-se, eu preciso me convencer de uma coisa hoje. Dessa vez meu problema é com os anjos. – Depois disso ele deu várias voltas pela catedral, olhando nos olhos, o rosto, as intenções de cada anjo, nenhum deles se parecia com seu anjo, ele queria quebrar cada estatua, quis os destruir. Ele só saiu daquele lugar depois que havia se convencido de que também não acreditava mais em anjos, sobretudo naqueles que se deitavam. Agora ele só pensava nos olhos falantes, e desta vez em um rosto correto, com um sorriso inocente.